Por Erick Sanz.

A 1ª etapa do projeto 4 Extremos do Brasil.

Foram 230km caminhando, um pouco mais talvez.

É muito diferente de tudo que fizemos até hoje. Não haviam pedras e terra, nem montanhas para subir ou descer. Nem uma sombra para arrefecer.
Era uma pisada repetitiva, as vezes no plano, as vezes inclinada.
Areia firme, algumas vezes afundando.


12 caminhantes.

Um grupo unido do início ao fim com Ana Paula Micieli, Barbara Amaral, Bárbara Franz, Celeste Viana, Camila Coubelle, Erick Sanz, Jaminsom Paiva, Lavínia Schwantes, Marcos Carrasqueira, Rose Furriel, Sueli Oliveira, Tereza Rocha, vários integram associações excursionistas cariocas como o CEB, CEG e CERJ. Contamos com o apoio logístico da Dunes com o José Fernandes, o Renato e a Emilia, com uma camionete 4×4, alimentação em todos os dias e nossas mochilas e barracas que seguiam numa carretilha para todos caminharem leves.

Começamos nos molhes Barra do Cassino, local de saída de navios do porto de Rio Grande e também um ponto turístico.

Dali em diante tudo era como uma reta quase infinita que terminava no horizonte à nossa frente e começava no horizonte às nossas costas.

Um abismo horizontal. Agora entendemos porque ganhou esse apelido.

A natureza foi generosa. E poderosa.

Só mostrou a sua força em poucos momentos e nos presenteou com uma caminhada agradável.

Na primeira noite o vento e o frio fizeram a todos usar o máximo de roupas quentes, mas nos dias e noites seguintes erá só calor, e o saco de dormir virou um travesseiro.

Mas na última noite, a natureza pareceu dizer: poupei vocês pois tem coração bom. E ao invés de mandar aquela tempestade elétrica intensa que víamos ao longe, mandou um vento sul poderoso que desmontou o acampamento antes das 3h começando com uma “chuva” de areia fina que entrava por todos os orifícios da barraca, caia do teto, das janelas de teladas, do menor orifício entrava areia. E a barraca se envergava a mais de 45º graus. A reação foi automática: ficar sentado segurando as varetas junto com o sobre-teto da barraca para não quebrarem e torcendo para passar. Foram os 15 minutos mais longos do acampamento, balançando de um lado para o outro e avaliando o momento que levantaria voo. Consegui colocar o tênis dentro da barraca sem usar as mãos, coloquei os óculos segurança, as luvas e pensava que devia ter trazido meu capacete de escalada para o caso de sair voando com a barraca e cair em algum lugar. TODOS os espeques abaulados e largos já tinham se soltado e faziam uma sinfonia batendo um nos outros pois estavam amarrados no sobre-teto.

Ironicamente, eu fiquei no local mais exposto, sobre um terreno arenoso com poucas plantas. Perto de mim havia um arroio com poço de banho e me imaginava sendo arrastado dentro barraca e o momento de trancar a respiração para abrir a barraca e sair dela sem me afogar.

Naquele momento um colega que tinha acampado num local protegido e chegou dizendo que devia sair naquele momento e levar a barraca para outro local. E fiz isso com sua ajuda, carregando tudo dentro, já com várias varetas quebradas. A seguir, comecei a ajudar o resto do grupo a se transladar para um local mais seguro e vi que outros, como eu, também estavam sentados dentro de suas barracas segurando as varetas para não quebrarem. E todos se mudaram durante a noite. Estávamos como flagelados. E éramos. Uma hora depois tudo volta a calmaria. Foi adrenalina, uma emoção para nunca esquecer. A mãe natureza se despediu de nós na última noite.

Aumentamos para 18 caminhantes.

Fizemos muitos amigos, humanos e não humanos. Logo entre o segundo e terceiro dia conhecemos o Alberto Farber, caminhante solo de SC que se uniu ao grupo. E, desde o início da trilha na praia do Cassino, três fieis amigos quadrúpedes nos encontraram e numa sinergia especial se tornaram parceiros de caminhada pelos próximos 230 km, alegrando a todos. E, quase na metade, uma cadela e um filhote surgiram de uma das fazendas de Pinus Eliottis e nos seguiram. Num momento éramos 18 os caminhantes. Se soubessem com o mínimo de consciência o que lhes esperava certamente os quadrúpedes não teriam nos acompanhado.

Travessia dialética. Caminham juntos a felicidade e a tristeza, a alegria e a dor, a vida e a morte.

Vimos 3 ou 4 baleias mortas, algumas eram só esqueletos de muito tempo atrás… Leões e lobos marinhos mortos. 4 enormes tartarugas mortas, uma delas enrolada numa rede. 1 pinguim morto e outros bichos. Enormes barcos que sucumbiram aos bancos de areia traiçoeiros. Milhões de conchas de todos os tamanhos e tipos que são as marcas que sobraram daqueles moluscos que um dia ali viveram. Vimos bandos de pássaros caçando em grupo. Paisagens lindas e bucólicas.

A dor da despedida.

Mas o mais doloroso para todos foi a morte de um dos 18 caminhantes. Esses cães se acostumam correr e latir aos veículos que passam, caminhões, carros e motos, sem noção do perigo. E num dia, um dos nossos cães com o apelido carinhoso de Carniça, parecido com um lobo, foi atropelado pelo veículo ao qual latia e morreu quase instantaneamente com o pescoço quebrado. Não tinha sangue. Eu vinha por último e vi o Carniça morto, não acreditava que fosse ele… ao longe vinham retornando duas amigas a pé por quase 2 km, trazendo uma pá para preparar seu túmulo na areia. Foi triste e extremamente doloroso. Não há palavras para descrever quando a morte bate ao seu lado.

Ainda tivemos que socorrer a cadela e o filhote que saíram da fazenda e nos seguiram. Ela não aguentava mais andar e a deixamos na praia do Hermenegildo, a 100 km de sua casa, para que pelo menos ali estivesse com mais segurança que abandonada numa cidade cheia de carros. E tentamos localizar seus donos.

Um cemitério de barcos.

Nem os gigantes metálicos são poupados e encalhar nos bancos de areia que se estendem por longas distâncias é comum. Relatam mais de uma centena de naufrágios, alguns já são famosos pontos turísticos como o Altair e o Príncipe de Gales. O mais recente naufragou ali faz 3 meses, ainda inteiro com seus quase 20 metros de comprimento jaz tombado para sempre nas areias ardilosas dessa enorme praia. Outros já foram lentamente engolidos pelas areias e sua estrutura pode ser vista com o refluxo das ondas.

Cada trecho percorrido tinha entre 30~35km e era uma vitória, uma comemoração. Queríamos caminhar mas as bolhas nos pés e dores obrigaram alguns a pegar carona no carro de apoio. Aquela região é inóspita e isolada, todos precisam se unir e esse é o sentimento predominante.

Os Faróis.

Foram 4 Faróis. Primeiro foi o Sarita, fechado e com funcionamento automático, acampamos logo depois dele. O segundo foi o Verga, o menor de todos. O maior e mais belo foi o Farol do Albardão. Subimos ao seu topo e vimos o por do sol do seu alto. E no término da travessia chegamos ao Farol do Chuí.

O Deserto do Albardão.

No quarto dia, segui com o carro de apoio para filmar o grupo e ter mais tempo de cruzar o Deserto do Albardão, cujo nome deserto é só uma alcunha de quem o admira. Uma caminhada de 5 km em 1,5 hora por dunas e areias iguais por todos os lados até chegar na Lagoa Mangueira, cujas águas me esperavam para um mergulho solitário indescritível, como um renascimento. É um lugar belo e bucólico que lembra os Lençóis Maranhenses e as Dunas do Jalapão, e fará sempre parte das nossas travessias. (Sim, vamos repetir!).

Quilômetro após quilômetro, fomos vencendo a distância interminável e a chegada aos molhes da Barra do Chuí foi uma festa com gosto de vitória para cada um. A missão estava cumprida. Muitas bolhas, esparadrapos, dores nos ossos, todos queimados de sol, alguns mancando… Nós vencemos o desafio!!

No dia seguinte fomos visitar o lado uruguaio do Chuí, numa avenida chamada Brasil onde uma calçada é o Brasil e a outra calçada é o Uruguai. E depois iniciar a volta para casa.

Agora vamos preparar a 2ª etapa dos 4 Extremos rumo ao Extremo Norte do Brasil e chegar na nascente do rio Ailã no Monte Caburaí, fronteira com a Guiana.



Veja as fotos da travessia registradas pelo grupo

Álbum – Fotos da Travessia dos Faróis por Camila Coubelle

 

Álbum – Fotos da Travessia dos Faróis por Erick Sanz

 

Álbum – Fotos da Travessia dos Faróis por Rose Furriel

 

Álbum – Fotos da Travessia dos Faróis por Sueli Tostes

 

Álbum – Registros da Travessia dos Faróis por José Fernandes

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